domingo, 17 de fevereiro de 2013

O Juiz Garzón, Desacordo Ortográfico e C.R. A 7

                      

Desacordo Ortográfico ?

        A confusão em torno do novo Acordo Ortográfico da língua portuguesa é um fenômeno mais do que previsível. O busílis da questão está em falsa premissa epistêmica. Diferem o português do Brasil e o de Portugal. Há diferenças semânticas e morfológicas. Por isso a unificação linguística não pode, e nem deve ser alcançada, porque há fórmulas prevalentes aqui e acolá.
        Pode interessar a ditos acadêmicos no Brasil – embasados em funda ignorância ou negligência das autoridades que têm formal competência in re – promover essas absurdas reformas decenais, seja para dar-se postiça importância, seja para convescotes e viagens ultramarinas.
       Enquanto as ortografias inglesa e francesa – para nos atermos às que nos são mais acessíveis,  posto que, mutatis mutandi, o espanhol e o alemão[1] também poderiam entrar nesse grupo  -  se mantêm placidamente imutáveis, eis que, v.g., não há o intuito de dar ordem unida, submetendo o inglês de Sua Majestade à grafia de Tio Sam, ou vice-versa. Os vocabulários ortográficos português e brasileiro vem padecendo há décadas de uma compulsão que não tem justificativa quer no seu objeto, quer nos prazos cada vez mais encolhidos das ditas alterações.
       Bastaria  a diferenciação de duas realidades linguísticas – a portuguesa e a brasileira – para sustar essa marcha demencial por  uniformização que é objetivamente contrariada pela contraposição de dois bem diversos mundos. De um lado, a banda ocidental lusa, debruçada sobre o Atlântico, de onde partiram Pedro Álvares Cabral e todos os seus precursores, para a reivindicação da Terra da Santa Cruz; e de outro, com o Atlântico de permeio, o continente brasílico, alargado muito além da linha de Tordesilhas pela gesta das entradas e bandeiras.
        O subdesenvolvimento cultural – e o sôfrego braço editorial que se deleita na fajuta  obsolescência da grafia, como se empenhado na contínua reinvenção da roda – serão sempre os suspeitos da vez, como na frase célebre de Claude Rains, no papel do corrupto delegado vichyssois  de Casablanca.
       A última reforma – aquela meio-gorada – representa talvez a pá de cal nesse modelo de miopia ortográfica conjugada com veleidades de acadêmica grandeza. Apesar de abranger um mínimo de palavras a terem a ortografia modificada, obriga as editoras coitadinhas a reeditarem uma biblioteca, eis que os tomos precedentes foram artificialmente tidos como superados.
       Se me permitem um conselho, estudiosos, estudantes e singelos leitores daqui e d’além-mar:  não mais se amofinem que o vocabulário publicado em Portugal, oficial ou não, não esteja conforme à versão em terra brasileira (e vice-versa !). Que cada um siga o seu caminho, com o que, sabendo ou não, estarão pondo a pedrinha respectiva para a maior grandeza da última flor do Lácio.

 
A queda de meteoro  na  Sibéria

      Em estranha concomitância com a passagem desde muito anunciada do asteróide 2012 DA14, caíu nos arredores da pequena cidade siberiana de Chelyabinsk um meteoro, em um lago, em que produziu um buraco de oito metros de diâmetro.
      Será pela sua extensão territorial que a Rússia registrou em 1908, no reino do último Romanoff, Nicolau II, um desastre de enormes proporções, na Sibéria central. A área de Tunguska, banhada pelo rio homônimo, foi atingida por uma rocha de cem milhões de kg, que no seu mergulho na atmosfera provocou um incêndio que incinerou  80 milhões de árvores em centenas de km quadrados. Se morreu alguém ou não, o mais provável está na negativa, por tratar-se de região aparentemente inabitada – eis que a explosão  alcançou calor de 24,700 graus Celsius, com  energia equivalene a 185 bombas de Hiroshima.
       A irrupção do meteoro de dez toneladas – denominado bólido, mas sem fazer jus a uma designação com letras e números, a exemplo do asteroide citado  - feriu cerca de mil pessoas (aproximadamente duzentas crianças). Embora a queda tenha sido a oitenta km de Chelyabinsk, a explosão decorrente de seu ingresso na atmosfera provocou grande impacto, com a quebra de vidros das janelas (de onde resultou a maior parte dos ferimentos). Também o choque aéreo derrubou ou danificou paredes e sacadas das construções citadinas.
       Dadas as temperaturas ora vigentes no inverno russo, compreende o considerável desconforto e inclusive ameaça de congelamento representada pelas inúmeras vidraças destruídas pelo bólide.

 
Os envelopes ou a corrupção do PP espanhol

 
       A Espanha, cujas construções recentes encantaram os arquitetos, e que parecia nadar em euros há uns poucos anos atrás – estão aí para não nos desmentir os estratosféricos salários para, entre outros, os controladores aéreos – de repente se viu sem-cerimônia empurrada para o esquálido compartimento dos piigs ![2]
       Se o governo do Primeiro Ministro Mariano Rajoy, do Partido Popular, de direita, de certo modo, logrou afastar, por ora, a eventualidade de uma situação similar à helênica, crescem as evidências de uma extensa corrupção.
       É a chamada cultura do envelope de que se beneficiaram os principais personagens do PP (inclusive Rajoy), acusados de receberem fundos no montante anual de Euros 25 mil (33 mil dólares).
       Esses ‘agrados’ anuais persistem há quase inacreditáveis vinte anos. Quem geria o esquema era o tesoureiro do PP, Luis Barcenas.
       O presente escândalo – que surgiu em 2009, quando Barcenas se viu envolvido no caso Gürtel, e os políticos do PP foram acusados de aceitar subornos do empresário  Francisco Correa. Era um sistema opaco, de contratos outorgados sem licitação, que inspirou os investigadores judiciais a dar-lhe a críptica designação Gürtel (que é cinto em alemão).
          Este mega-escândalo que atualmente ameaça acabar com a carreira política do Primeiro Ministro Rajoy, veja só ilustre passageiro, foi investigado por primeira vez pelo juiz Baltasar Garzón, que os meus dezessete leitores decerto conhecem bem.
          A partir de 2009, Garzón, de renome internacional (desde o seu histórico mandado de prisão, aceito pela justiça inglesa, para o hóspede de Lady Thatcher, o ex-presidente e ditador militar Augusto Pinochet), teve acesso a gravações feitas por um político de importância secundária, que delataram o grupo de negócios do Señor Correa, pelo suborno de vários políticos regionais.
           O caso Gürtel, no entanto, seria instrumentalizado pela direita ligada ao Partido Popular, que acusou o juiz Garzon de valer-se de escutas ilegais. Como a Suprema Corte da Espanha, valendo-se de tortuosos processos e de juízes que se regalaram com a oportunidade de destruir por motivos periféricos e adjetivos talvez o maior juiz da Audiência Nacional, condenou Baltasar Garzón a um banimento judiciário de onze anos. Essa sentença, uma das mais cínicas e injustas de uma Corte Suprema, obviamente, com a lentidão paquidérmica da Corte Europeia de Direitos Humanos, implicou no término para todos os efeitos da incômoda e corajosa carreira judicial de Baltasar Garzón.
             Ou será possível que, como nos velhos filmes do Oeste americano, assistiremos ao equivalente da investida inesperada e bem-vinda da cavalaria, em uma súbita reversão, em que os patifes são postos a correr, e o mocinho, a despeito de tudo e de quase todos, se vê de repente de volta ao seu posto de defensor dos pobres e oprimidos ?
              Que melhor público e que melhor oportunidade de real justiça haverá para o juiz Garzón, nesse momento em que os corruptos se vêem expostos e a revolta do povo, sofrido e sem-trabalho, clama por uma justiça bem diversa daquela prolatada por tantos altos tribunais de Espanha ?

 

( Fontes:  O Globo, International Herald Tribune )



[1] A passagem da grafia gótica para a latina se deu na primeira metade do século XX.
[2] Os países falimentares da União Européia, i.e., Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha.

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